3 de janeiro de 2014

O título "REVERENDO"

Esse artigo é fruto de reflexão e perguntas de alunos em sala de aula ao longo de alguns anos. Porém a real motivação em escrever sobre o assunto no blog foi uma experiência ruim que tive recentemente. Ao encontrar um conhecido, o Rev. St.Andéol[1] (nome fictício), o cumprimentei, conforme meu costume, dizendo: Boa Tarde Reverendo! Para minha surpresa e vergonha, o Sr respondeu: “Reverendo não, pois Reverendo é só Jesus”! Bom, como respeito e cordialidade são atitudes cristãs, respondi brincando que Jesus é Reverendíssimo[2] e parei por aí, envergonhado de tamanha ignorância espiritual e intelectual. Não sei o real motivo dessa reação, mas é fato que para algumas pessoas a motivação é filosófica ou teológica, por isso vale a pena escrever sobre o assunto.

Uma das características da pós-modernidade é a rejeição por títulos, instituições e compromisso com a ordem. Já se tem provado através de pesquisas e dissertações que a luta na pós-modernidade é desestruturar os dogmas e as tradições que surgiram ao longo da história. Essa postura tem criado em algumas pessoas uma ojeriza[3]pela formalidade ou pela ordem estabelecida. O ideal é vivenciar todas as coisas de maneira informal e espontânea, isso se aplica também às questões religiosas.

Essa ideologia já adentrou no campo religioso e familiar. É evidente a desordem e o entretenimento nos cultos por aí e um número considerável de pessoas rejeitando a história da igreja e sua tradição. O objetivo do artigo não é refletir sobre culto e tradição, mas sobre a questão de um título que vem sendo rechaçado por alguns, e não por humildade ou modéstia, mas para estabelecer o dogma da informalidade. Não tenho o objetivo de preferir títulos ou absolutizar uma hierarquia, mas combater esse movimento da informalidade que tem feito tanto mal à vida da Igreja e ao ministério sagrado.

Tenho sido educado em minha formação e nos estudos da história da igreja e na história e tradição da minha denominação a honrar meus líderes. Assim como na estrutura de autoridade civil, a Bíblia ensina a honrar e respeitar as autoridades eclesiásticas, tanto uma como a outra são ministros de Deus para nosso bem (Rm 13). Essa honra deve ser em obediência e submissão, mas também atribuindo a essas autoridades títulos honrosos. Já imaginou os fariseus, chamando Jesus de Rabi e Ele respondendo como o Rev.St Andéol? Não, Jesus sabia ser humilde sem rejeitar honra e estima!

No caso das autoridades civis se utiliza títulos para honra e para determinar seu grau na hierarquia. O grau é conquistado pelo trabalho desenvolvido, estudos preparatórios, tempo de serviço, alguma conquista, entre outros critérios. Em relação as autoridades eclesiásticas há uma certa diferença, mas nem tanto.

Biblicamente falando as palavras revelam mais a função do individuo do que um título hierárquico. Aqui está o caso de pastor, presbítero e bispo. Parece-me que somente no caso dos doze apóstolos isso muda, pois o título para os doze revela a função e a autoridade hierárquica. Eles são as colunas pela qual a Igreja é edificada. No caso dos outros chamados apóstolos, estes a palavra revela somente a função como enviados (missionários).

É por causa da função que exercem e em resposta à vocação divina que são dignos, não apenas de duplos honorários (financeiramente), mas de notável honra. São homens nobres, que velam pelas almas e se afadigam no Ministério da Palavra. Não é sem motivo que o Apóstolo registra: “E rogamos-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós e que presidem sobre vós no Senhor, e vos admoestam; e que os tenhais em grande estima e amor, por causa da sua obra. Tende paz entre vós” - 1Ts 5.12-13. Considerar em grande estima também é demonstração de respeito e autoridade, assim é que se emprega o título Reverendo aos nobres pastores de Cristo.

Essa honra aos Ministros da Palavra ao longo da história da Igreja é a titulação de Reverendo. Algumas igrejas históricas se utilizam deste título por entender que a titulação pastor não é adequada, pois essa não é título e nem todos os chamados pastores cuidam de rebanho, alguns exercem funções administrativas, apenas a docência ou cargos em autarquias. O título pastor foi adquirindo preferência nas igrejas evangélicas e passou a fazer parte do vocabulário protestante, por isso alguns irmãos e igrejas se utilizam do título reverendo apenas por ser uma expressão honrosa e permanecem com a função pastor em forma de titulação.

Em minha denominação (ICEB), a titulação segue o modelo das igrejas históricas. No início havia forte ênfase no ministério leigo e assim permanece valorizando o mesmo; mas desde que a igreja começou a se organizar que se convencionou a titular o obreiro formado e ordenado à Reverendo. O título permaneceu na união com os Congregacionais (1942-1969) e permanece em honra ao pastor ordenado. Nossos documentos revelam que em todas as épocas, pelo menos, desde a década de 1920 até hoje os Ministros são honrados como Reverendos.

Se o Ministro da Palavra, também reconhecido oficialmente como Pastor é digno de honra, porque depreciar um título de respeito e autoridade? Que proveito e edificação há em depreciar ou rejeitar um título honroso? O Ministério não é uma honra? Não é digno aquele que aspira o episcopado?

O título de Reverendo é uma forma de reconhecer também a dedicação daquele que percebendo sua vocação, deixa seus sonhos e sua vida comum para ingressar ao preparo formal para servir no ministério. Tantos anos de estudos e renúncia de si mesmo, que sua ordenação, coroando a vocação sagrada é acompanhada de titulação. A vocação e a função pastoral são soberanas e graciosas, mas o título é por mérito – de alguém que se santifica e dedica para melhor servir ao Senhor e a Sua Igreja.

Alguns alegam que o título traz uma certa distância do rebanho. Se isso fosse verdade deveria o ser em tempos passados também. Há intitulados pastores mais distantes do rebanho do que se possa imaginar.
Queridos irmãos, o problema não está no título ou em roupas formais e sim no coração. O título ou a vestimenta não forja o caráter de ninguém, mas sim sua conversão e santidade ou a falta destes. É sobre isso que Jesus nos adverte em Mt 23.1-12.

Recebendo o título de Reverendo ou apenas Pastor, o que importa é ser a imagem de Cristo e ser encontrado fiel, como despenseiro do Evangelho e em pleno serviço e amor à Igreja. Tenho certeza que a informalidade é mais prejudicial e conduz à libertinagem, enquanto a autoridade e ordem, conduzem à reverência e glória de Deus!

Alguns não se sentem a vontade com o título e isso é bem compreensivo, também não me sinto a vontade com o uso de vestimentas litúrgicas. Tenho amigos que particularmente me pedem para chamá-los apenas de pastores ou pelo nome, isso é legítimo e não há nenhuma necessidade de depreciar o título e a tradição cristã. Mesmo não me agradando das vestimentas litúrgicas não desonro ou rechaço quem se utiliza desse recurso corretamente.
pr. Glauco Pereira

Quero anexar ao artigo uma reflexão bem coerente do Rev. Odayr Olivetti.

SOBRE TÍTULOS DOS PASTORES

Pergunta nº 29 – “Por que os pastores têm o título de ‘reverendo’, sendo que tal título não é bíblico?”

Resposta: vamos por partes:

1. Não são somente os pastores presbiterianos que usam esse título. Desde muitos séculos atrás, esse título foi adotado para designar os clérigos. Encontramo-lo na Igreja Católica Romana, na Igreja da Inglaterra (Anglicana), nas igrejas episcopais, metodistas, etc. Na Inglaterra, por exemplo, somente alguns dissidentes, ou seja, somente algumas igrejas livres, separadas da igreja oficial do país, é que rejeitam o uso desse título. Assim é que, naquele país, mesmo entre os batistas há grupos cujos pastores usam o título de reverendo.

2. Pensemos um pouco em alguns títulos explicitamente bíblicos. Vamos nos restringir aos seguintes: anjo, pastor, mestre, guia (Ap 1.20; 2.1; Ef 4.11; Hb 13.7,17).

a) Quanto sabemos, “anjo” não foi adotado por igreja alguma, por uma série de razões imagináveis, entre as quais esta: o desenvolvimento errôneo da representação dos anjos na crença e na prática do romanismo, desfigurando os vigorosos mensageiros do Senhor.

b) “Pastor”, título muito simpático e que expressa as funções básicas dos ministros e de outros obreiros – alimentar, guiar, proteger e disciplinar o rebanho. É adotado por algumas denominações, e não deixa de ser utilizado de maneira menos formal e mais coloquial pelos presbiterianos e outros.
Contudo, analisando-se bem a questão relacionada com esse título, notam-se alguns motivos de objeção ao seu uso como título específico dos ministros da Palavra. Vejamos:

1º - Sl 23.1 – É utilizado com referência à Divindade: “O Senhor é o meu pastor”. Em Jo 10.11,16; Hb 13.20; 1 Pe 2.25, etc., Jesus Cristo é chamado pastor.
Não causa espécie dar a uns pobres mortais, “vasos de barro”, na expressão de Paulo, um título que é dado a Deus Pai e a Deus Filho?

2º No caso da descrição das atividades na igreja e da igreja, “pastor” é palavra mais descritiva de funções, não título peculiar a uma dada categoria de pessoas. Note-se que no Antigo Testamento Deus se refere a um pagão como Seu pastor (Is 44.28). Em At 20.28 e em 1 Pe 5.1,2, se vê que não são somente os ministros da Palavra que exercem funções pastorais.

c) “Mestre”. Nas várias denominações evangélicas há pastores que são chamados “mestres”, ou porque fizeram mestrado em algumas disciplinas acadêmico-teológicas, ou porque são professores em seminários e institutos bíblicos, ou porque obtiveram o grau de doutor em algum curso teológico, sendo que, lexicamente, mestre, professor e doutor são sinônimos. – Mesmo denominações que repudiam o título de “reverendo” para os seus ministros, não se acanham de lhes permitir ou lhes dar o título de “mestre” ou “doutor”. Entretanto, Jesus Cristo vetou o uso desse título, dizendo: “Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos” (Mt 23.8).

d) “Guia”. Expressando pouco mais pouco menos o que a palavra “pastor” expressa, sendo, porém, palavra menos rica do que “pastor”, o título “guia” sofre a mesma objeção que atinge a palavra “mestre”, pois Jesus ordenou: “Nem sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, o Cristo” (Mt 23.10).

3. As palavras ligeiramente antes consideradas são significativas e envolvem habilitação, autoridade, poder. Sem essas qualificações, como pode o pastor pastorear, o mestre ensinar e o guia guiar?
Ora, esses títulos, dados e aceitos no seio da igreja cristã, requerem atitude respeitosa e disposição para a obediência por parte dos membros da igreja. Os que não se dispõem a se colocar na posição de cordeiros e ovelhas, não respeitarão o pastor e não obedecerão à sua voz; os que não se dispõem a se colocar na posição de discípulos ou alunos, não respeitarão o mestre ou doutor, e não seguirão as suas instruções. Os que não se dispõem a se colocar na posição de pessoas guiadas, conduzidas, dirigidas, não respeitarão o guia e não seguirão as suas indicações e a sua direção.
Observe-se como as ideias de respeito e de obediência estão presentes em qualquer desses títulos, ou de outros semelhantes, que se queira dar ao ministro da Palavra.
Ora, o significado primário da palavra “reverendo” é este: “digno de ser reverenciado ou respeitado” (Caldas Aulete).
Além das considerações feitas até aqui, os cristãos fiéis e os homens em geral devem ser tratados com honra (Fp 2.29; 1 Pe 2.17), o que por certo não exclui os ministros desse tratamento honroso. Mas, de modo especial, as referências e descrições bíblicas favorecem a ideia de que os ministros de Deus devem ser respeitáveis (responsabilidade deles) e respeitados (responsabilidade dos outros). Ver, por exemplo, Êx 3.10-14; Nm 12.1-10; 14.1-12; 16.1-5,28-33; Mt 10.14,40-42; Jo 12.26; 1 Tm 5.17; Hb 13.7,17.

Destaques:
a) 1Tm 5.17 – Os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino (presbíteros docentes; responsáveis por fazer o que está registrado nessa parte da passagem), são considerados merecedores de dobrada honra, ou de dobrados honorários (responsabilidade dos membros e dos demais oficiais da igreja).

b) Hb 13.7,17 – “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e considerando atentamente o fim da sua vida” (responsabilidade dos guias), “imitai a fé que tiveram” (responsabilidade dos outros crentes). “Obedecei aos vossos guias, e sede submissos para com eles” (responsabilidade dos membros e oficiais da igreja); “pois velam por vossas almas, como quem deve prestar contas” (responsabilidade dos ministros de Deus).

“Imitai a fé” e “Obedecei... sede submissos” exigem humildade, respeito, consideração.
Portanto, não é antibíblico dar o título de reverendo aos pastores.

c) Mesmo porque, os ministros do Evangelho sabem que toda e qualquer honra que recebam pertence a Deus e a Deus a transferem, no espírito de passagens como Sl 115.1; 1 Co 1.10,31 e Rm 11.36.

O ministro que se pavoneia por causa dos privilégios do ministério, como se ele fosse o tal, está abusando, e lembra o burro da fábula: Transportou no lombo, pelas ruas da cidade, relíquias que faziam os transeuntes pararem e se dobrarem respeitosamente. O burro ficou cheio de si. Qual não foi seu espanto, quando, ao voltar, já sem as relíquias no lombo, em vez de gestos reverentes recebeu pedradas!
Finalizando, os títulos em si nada são. Deixemos que cumpram a sua tarefa de designar funções, de distinguir carreiras e de credenciar habilitações formais, estabelecendo certa norma de relações e de serviços na igreja.


Odayr Olivetti, Consultório Bíblico, (São Paulo: Cultura Cristã, 2008), 49-52




[1] Segundo a tradição Andéol foi enviado como missionário ao sul da França pelo Bispo Policarpo, cidade que hoje leva seu nome e que tive o privilégio de conhecer em 2013.
[2] O título Reverendus (Latim) pode ser aplicado à Jesus, pois uma possível tradução é reverência como devoção. Como as outras possíveis traduções são respeito e honra, a igreja se utiliza como termo eclesiástico. Podemos encontrar muitas citações em documentos na idade média.
[3] Sentimento de repulsa, repugnância, provocado por variados motivos; antipatia, aversão. In: http://www.dicio.com.br/ojeriza/ - 31/12/2013.

3 comentários:

  1. Pr. Glauco Pereira, Paz. Sou pastor responsável de uma Comunidade Evangélica, fui consagrado por um ministério sério, porém, por questões políticas, me vi obrigado a prosseguir sozinho (posteriormente posso melhor explicar). Gostaria de saber se posso utilizar a termologia de Reverendo. Pr. Marco

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