Introdução:
Falar sobre dízimos e ofertas é um desafio bem atraente e empolgante. Isso porque é um assunto muito controverso e mal entendido entre os evangélicos. Ao longo dos anos ouço alunos e amigos questionando ou duvidando da atualidade do dízimo, alguns até tentando argumentar biblicamente. Por isso resolvi assumir o desafio e expor um breve artigo sobre a doutrina do dízimo.
O
artigo surgiu de um período de estudos e pesquisas feitas para uma série de
sermões sobre mordomia cristã, durante quase um ano me dediquei a estudar os
textos bíblicos, livros e confissões de fé reformadas que tratam da questão da
mordomia cristã, referente a dízimos e ofertas.
O
principal pressuposto do artigo está na confissão de que creio em toda a Bíblia
como Palavra de Deus, subscrevo as confissões que se firmam em toda a Bíblia
como regra de fé e não apenas no N.T, creio que a Igreja de Deus é fundamentada
sobre os Apóstolos e Profetas – Ef 2.20 e não apenas nos Apóstolos. Aqui está o
Tota Scriptura, interpretada corretamente a luz de seu contexto, ou seja, o A.T
lança luz ao N.T e o N.T é a continuidade e interpretação em Jesus do A.T.
1. Quero começar com
uma questão
Alguns
irmãos dizem não acreditar no dízimo porque o N.T não ensina explicitamente.
Esse
argumento não é muito consistente e sinceramente tem uma sombra em Márcião, um
herege que na Igreja antiga rejeitou o A.T como livro cristão. Minha
compreensão é que na vinda de Cristo, sendo Ele mesmo o cumprimento da
Escritura do A.T e sendo o intérprete perfeito, tudo aquilo que precisou de ajuste
e alteração foi declarado. Em seu tempo os intérpretes haviam se afastada de
uma leitura correta e estavam trocando a Escritura pela tradição, por isso
alguns assuntos estavam sendo mal compreendidos e a situação levou Jesus a corrigir
muitos erros. Porém essa correção não acontece com o dízimo, a única
advertência está relacionada a hipocrisia e desobediência- Mt 23.23. O fato de não ser corrigido é porque o entendimento estava correto, isso não acontece com o casamento, justiça, ressurreição, etc. Também não há correção sobre a pena de morte, algo reafirmado pelo Apóstolo em Rm 13.
A
revelação de Deus é progressiva e contínua, o N.T é a realidade daquilo que era
sombra, em Jesus há aperfeiçoamento e verdadeira interpretação da Lei perpétua
e santa de Deus. Entendo quando o assunto é o dízimo que a única
descontinuidade está na maldição, pois esta foi levada sobre o madeiro – Gl
3.13, mas a prática e as orientações e propósitos permanecem os mesmos. O
dízimo continua sendo um excelente método de sustento, assim como foi na Igreja
do A.T.
2. A origem
A palavra dízimo (maser ou dekáte)
significa - décima parte de algo. O ofertar a décima parte de algum benefício
era comum entre os povos antigos, principalmente entre os Egípcios e
Mesopôtamios. Na Bíblia essa contribuição aparece com Abraão (Gn 14.20), temos
também uma afirmação da importância do dízimo com Jacó (Gn 28.22). Após ter
vencido uma batalha, Abraão reconhece que a vitória veio com a ajuda de Deus; o
reconhecimento leva o homem de Deus a uma expressão de gratidão e adoração ao
Senhor que é dono de tudo e soberano em sua vida. Através do dízimo Abraão
oferta seu coração grato através do depósito aos pés do sacerdote (Gn
14.18-25). Uma atitude de gratidão e fé!
Na Antiga Aliança
A história de Abraão estabelece a
essência do ato de dizimar, mesmo antes da entrega da Lei, essa contribuição é
aceita por Deus e seu propósito revelado (gratidão e adoração). Em Abraão, o
pai da fé de todos os crentes, aprendemos que o dízimo é um ato de fé, agradecimento
e amor a Deus. Quando Jesus trata da hipocrisia, ele mesmo resgata esse valor,
desmontando uma compreensão religiosa equivocada e declarando que na entrega do
dízimo não deveriam negligenciar a justiça, misericórdia e a fé – Mt.23.23. Por
que devemos imitar sua fé e não sua prática de contribuir?
Deus se agradou tanto em receber
dízimos, tendo como padrão o sacerdócio de Melquizedeque que o ratificou em sua
Santa Lei. No livro de Levítico temos uma declaração que confirma isso – “todas
as dízimas... santas são ao Senhor; o dízimo será santo ao Senhor” – Lv
27.30-34. O mandamento não é uma inovação de Deus, mas está claro que o Senhor
de todas as coisas tem apenas aceitado como legítimo e agradável uma prática
que expressa melhor o desapego às coisas materiais e o coloca como Senhor de
todos os ganhos nessa vida.
Na Lei de Deus recebemos uma
forma, estrutura e organização que fará parte do culto formal e se estabelecerá
como padrão de sustento contínuo da casa de Deus e Seu Ministério, tanto na
Igreja do A.T, como na Igreja do N.T. A questão do dízimo na Lei está
estruturada em três direções: 1. De quê (cereais, frutos, gados, etc), 2. A
quem (Levitas, Ministros), 3. Onde (na casa de Deus). O ensino bíblico revela
aquele padrão para que a obra de Deus seja realizada com ordem, cuidado e regularidade.
No texto de Deuteronômio vê-se a
instrução para que o dízimo fosse parte do culto a Deus, assim como holocaustos
e ofertas específicas. Devido a ter um caráter de Lei, também se acrescenta as
diretrizes em caso de desobediência. Aqui no A.T a questão do dízimo pelo
propósito de Deus não é apenas um ato voluntário de gratidão, mas se inclui a
obrigatoriedade, sendo assim, o não cumprimento requer punição e maldição. Aqui
temos um ponto em que devemos afirmar uma certa descontinuidade no N.T, pois não há
maldição para quem está em Cristo Jesus. Fomos libertos da maldição da Lei – Gl
3.13; Rm 8. O princípio permanente é a expressão voluntária de amor a Deus e
Sua Casa.
Como leio Malaquias?
O texto do Profeta Malaquias
revela a verdadeira essência do dízimo, tanto aquele ato anterior a Lei, bem
como, o ideal de Deus na Lei. O Povo de Deus estava com o coração longe do
Senhor, seus sacerdotes corrompidos e o povo trocando a justiça e santidade
pela injustiça e pecados legalizados pela religião. Por isso Malaquias revela
que: 1. O dízimo é um medidor espiritual. O povo estava longe de Deus, por isso
deixaram de ser dizimistas, sempre que o povo se afasta do Senhor, o dízimo do
Senhor é resgatado e deixado de lado. 2. O dízimo revela o coração do povo. “Em
que te roubamos”? O pecado traz a falsa sensação de bem estar e a religião pode
cauterizar a consciência de um pecador impenitente – Jesus diz: “Pois onde
estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração (Mt 6.21). 3. Com o dízimo
deveriam reconhecer a Soberania de Deus, Ele é o Dono das plantações e
sustento, sem a benção e cuidado do Senhor nada é possível, pois é Ele que abre
as janelas dos céus ou fecha. Reter o dízimo é assumir seu próprio sustento e a
desobediência é rebeldia e independência. 4. Aqui vemos claramente o padrão
estabelecido anteriormente, os Profetas se baseiam na Lei. É muito coerente
pensando em Lv 27, Nm 18 e Dt 12,14,26 –
que a retenção causa problemas na Igreja, a Casa de Deus fica sem mantimentos,
seus Ministros passam necessidades e a obra é prejudicada. Diante da situação
do povo é necessário uma advertência e palavras de juízo, sendo que o juízo
começa pela casa de Deus. No período da Lei o princípio de gratidão, adoração
pelo benefício recebido de Deus permanece, essa é a questão para Deus, não há
interesse no dinheiro em Deus e sim na entrega do coração e dependência Dele
como Senhor de todas as coisas.
Na Nova Aliança
No N.T não temos razão para
acreditar que esse padrão tão esclarecedor e benéfico seja abolido pela vinda
de Jesus. Primeiro porque Ele mesmo afirma a não abolição da Lei (Mt 5.17, 19).
Também o Apóstolo declara ser a Lei Santa, Boa e Justa (Rm 7.12). Jesus mesmo
motiva os fariseus a permanecerem na prática do dízimo e deixar a hipocrisia
(Lc 11.42). Fiz questão de citar em Lucas porque conheço bem o argumento
dispensacionalista, dizendo que Mateus é para judeus e não serve como base para
a Igreja, assim Lucas está se dirigindo não somente a judeus, aquilo que Jesus
fala para judeus nesse caso, serve para todos os que são compromissados com o
Evangelho. Acredito na idéia de Evangelhos sinóticos e que "tudo que foi escrito para nosso bem foi escrito".
Vamos pensar!
No N.T temos várias passagens que
voluntariamente incentivam a generosidade, Jesus disse que “mais feliz é aquele
que dá” (At 20.35), temos que dar com alegria (2Cor 9.7) e a oferta deverá ser “na
medida de suas posses” (2Cor 8.3) – aqui está uma clara declaração de
porcentagem, não temos a décima parte, mas cada pessoa traz de acordo com a
quantidade que ganha (isso é dízimo!!!). Também em muitas ocasiões vemos as afirmações de que “...
o trabalhador é digno de seu salário” (1Tm 5.18) e ainda esse Presbítero é
digno de receber duplos honorários (1Tm 5.17). Isso não lembra o sustento para os Levitas? Claro que não existe mais Levitas, estou pensando apenas no princípio do dízimo.
Os textos no N.T revelam a
necessidade de contribuir, a contribuição tem como propósitos; gratidão,
sustento do Ministério e provar a generosidade dos irmãos. Vê-se que a
regularidade é constante na Igreja Primitiva e essas contribuições mantêm a
Igreja em todas as suas necessidades. Agora pergunto: Por essas evidências é
difícil pensar que a prática do dízimo era comum na Igreja? Acredito que não! A
décima parte é estabelecida na Nova Aliança como um padrão regulador, pois a Igreja era
bem generosa e abundava em seu ato de dar. Não sou contrário aos que com
generosidade desejam dar tudo que tem, mas eles precisam entender que nem todos
chegam a esse padrão de fé, por isso o princípio do dízimo regula bem a
mordomia cristã e a consistência no ato de dar.
Acredito que no livro de Hebreus
temos uma evidência bem simples da permanência do dízimo na Igreja do N.T. Os
argumentos do Rev.Boanerges Ribeiro são bem simples e suficientes: “Em Gn
14.18-20 – Quando foi que Abraão deu a Melquizedeque o dízimo de tudo? Sob a
lei de Moises? Claro que não. Abraão viveu pela fé e foi justificado pela fé. É
o pai dos que crêem”. Pelo texto de Hebreus 7, “é certo que, mudando-se o
sacerdócio, muda-se a lei. Mas nosso sacerdócio não foi mudado. Abraão deu o
dízimo a Melquizedeque, e nós somos representados diante de Deus pelo sacerdote
Eterno da ordem de Melquizedeque, Cristo. Portanto em Cristo permanece a fé e o
dízimo como uma prática legítima nas relações com Deus”. (Dinheiro para a
Igreja, lição 4 – Socep)
O dízimo foi recebido pelo
sacerdote Melquizedeque, sob a lei quem recebia era o sacerdote e Deus
aceitava, porém na nova dispensação quem recebe é Aquele que é maior tanto do
primeiro, como do último. Quando depositamos o dízimo como expressão de culto,
sabemos que nosso Senhor o recebe com agrado. Leia com atenção Hebreus 7.8 –
homens mortais recebiam dízimos, agora é Jesus quem recebe. Na Nova Aliança,
quando depositamos os dízimos e ofertas na liturgia não entregamos a homens
mortais (pastor), mas ao Senhor de todas as coisas (Lv 27.30; Sl 24.1).
Além do
texto de Hebreus dar evidência da prática do dízimo ou uma contribuição
regulamentada, também a história demonstra evidências, por exemplo, na Didaquê
um dos documentos mais antigos da Igreja Cristã, escrito entre 70-120 d.c,
temos referência sobre a prática do dízimo. O texto orienta a dar os primeiros
frutos de todas as coisas para o sustento do ministério, inclusive o dinheiro e
“dê conforme o preceito”. (Didaquê Cap.13) O texto não é inspirado, mas
fornece uma base histórica da prática da Igreja Primitiva, eles não rejeitaram
a Lei de Deus e somente deixaram de lado aquilo que realmente interfere
diretamente na obra de Cristo na cruz.
Para refletir e concluir:
O
dízimo como princípio para sustento do Ministério tem glorificado a Deus ao
longo dos anos e abençoado com a liberalidade aquele que dá e traz louvor nos
lábios daqueles que amam a casa de Deus. A isenção da obrigatoriedade não deve
gerar libertinagem na Igreja de Deus e o voluntariado como expressão de culto é
uma ação consistente, regular e generosa, cada servo contribuindo conforme as bênçãos
de Deus (2Cor 9).
O
método de contribuição regular dos antidizimistas tem abençoado a obra de Deus?
Seus argumentos são para beneficio do Reino ou apenas são argumentos com fins
ufanos? Se os antidizimistas são generosos e seus argumentos promovem a glória
de Deus no contexto de toda Escritura, com certeza devemos dar crédito a seus
argumentos. O argumento de que o dízimo deve ser rejeitado porque não há base
no N.T é inconsistente demais para quem acredita em toda a Bíblia como regra de
fé.
Se não
for assim, retornemos a simplicidade da Escritura e ao cristianismo histórico,
divulgando a tradição do Somente a Escritura e Toda a Escritura.
Obs: Estou consciente das tentativas exegéticas para desacreditar no dízimo, mas em meus estudos tenho considerado esses argumentos e buscado descartar as falácias e jogos de palavras e pensamentos.
Para a Glória de Deus e benefício de Sua
Igreja!
Glauco