Introdução:
“Eu não sou presbiteriano” e “eu não sou
batista”. Em dois momentos diferentes o Rev. Robert Reid Kalley sentiu a
necessidade de se posicionar e demonstrar que entre grandes movimentos
denominacionais é possível uma terceira via, autóctone e fiel ao Senhor Jesus. No
Brasil há uma polarização na questão da doutrina do batismo, dois extremos se
chocam e alguns postulados são criados. Por exemplo, quando a doutrina do
batismo está unida ao conceito de aliança ou pacto, ela passa a ser considerada
por alguns uma teologia presbiteriana. Os batistas reformados e os kalleyanos são
praticamente esquecidos; aqui se inclui a Igreja Cristã Evangélica do Brasil
(ICEB), uma denominação teologicamente kalleyana e que também é devedora em
suas origens ao trabalho dos Kalleys e sua influência nos missionários
pioneiros da UESA.[1] Por
isso, desejo como Ministro Cristão Evangélico e defensor da posição kalleyana refletir
e trazer à tona algumas ideias do credobatismo (batismo de crentes) e a
inclusão dos filhos na aliança fora do eixo batista/presbiteriano. O documento
teológico mais importante na história da Igreja Cristã Evangélica, o
Catecúmenos diz o seguinte sobre o batismo: “No batismo a pessoa declara e
aceita os termos do pacto com Deus,
e assegura ao cristão a salvação eterna”.[2]
Essa posição doutrinária
da ICEB é fruto da teologia kalleyana e exposta na Breve Exposição das
Doutrinas Fundamentais do Cristianismo: “25º) Do batismo com água – O batismo
com água foi ordenado por Nosso Senhor Jesus Cristo como figura do batismo
verdadeiro e eficaz, feito pelo Salvador quando envia o Espírito Santo para
regenerar o pecador. Pela recepção do batismo com água, a pessoa declara que aceita os termos do pacto em que Deus
assegura aos crentes as bênçãos da salvação”.[3]
Talvez a doutrina menos kalleyana
na ICEB seja a forma de governo, pois os missionários pioneiros e obreiros
brasileiros, como os Revs. Acácio Gedeão Coutinho e Eliel de Almeida Martins,
decidiram por um governo menos congregacional e mais democrático
representativo. Esse modelo é chamado pelo Rev. João Batista Cavalcante, atual
presidente da ICEB de “Presbiterial”.[4]Note
que não é presbiteriano.
O objetivo teológico
desse artigo é responder com simplicidade e muito respeito a duas posições bem
fortes e presentes entre evangélicos brasileiros. A primeira é a posição pedobatista
(batismo de recém-nascidos). O Rev. Robert Palmer, na palestra 1, proferida no
JMC (Seminário José Manoel da Conceição), pergunta: “é possível alguém ser um
teólogo que crê no pacto e não acreditar no batismo de crianças?” Ele mesmo
responde: “se você quer ser realmente um teólogo da aliança com todas as letras
você vai acabar tendo que de fato crer no batismo infantil”.[5]
Parece que tem se tornado
comum a afirmação acima. É incrível o número de pessoas que rotulam os outros de
“presbiterianos”, somente pelo fato de crerem plenamente no ensino bíblico da
aliança. Por isso, as premissas expostas nesse artigo serão duas: “que os
filhos menores são biblicamente herdeiros da aliança e que o batismo deve ser
administrado a partir de uma idade de discernimento”. Nessa questão, esse autor
se coloca distante do pedobatismo e mais distante ainda de qualquer doutrina
que exclui os filhos menores e que mande os filhos menores de crentes para o
inferno e os exclui da comunhão da igreja local.
A segunda é a posição credobatista
batista. A diferença com os batistas não está na questão da aliança porque os
batistas particulares[6]
também consideram a teologia bíblica da aliança, mas difere no conceito de
inclusão dos filhos menores nessa aliança. Para os batistas via de regra
somente entra na aliança aquele que tem fé, por isso “todos os batistas particulares
eram ou são pedouniversalistas” (como Charles Spurgeon e John Piper). Porém, já
li e ouvi irmãos de outras correntes batistas que excluem seus filhos menores,
entregando-os ao mundo e considerando que se um filho pequeno falecer estará
destinado ao inferno. Um desses teólogos é o Errol Hulse:
Nossa resposta a
possível pergunta dos nossos filhos, por conseguinte, deve ser: Filho, tu tens
tido o maior privilégio que existe no mundo, isto é, crescer debaixo do
ensinamento e luz do Evangelho, debaixo da educação e admoestação do Senhor.
Este privilégio e vantagem tem sido negado a uma vasta proporção da humanidade.
Tampouco dê evidência de que estás unido ao Senhor Jesus por fé e de que se
arrependeu dos pecados, então procederemos a pedir o batismo. Porém não podes,
debaixo do Novo Testamento basear-se somente na fé de teus pais... A ordem
correta para essas coisas se expõe em Atos 2.41-42. A confusão surge quando
abandonamos a simplicidade do Novo Testamento em que o batismo simboliza nossa
união com Cristo e com a igreja local que se compara com o corpo de Cristo.[7]
A fim de negar o batismo
ao filho, ele acaba por excluir o filho de qualquer comunhão ou participação
espiritual em Cristo e em sua Igreja. Eu concordo sobre a aplicação do batismo,
mas eu perguntaria ao Errol Hulse e na verdade ele responde isso em seu livro:
Enquanto seu filho não tem fé pessoal em Cristo, ele pertence a quem? Você
sugere que pertence ao mundo ou a outra coisa qualquer. Nessa questão a palavra
do teólogo Chapell é muito relevante, exceto na aplicação do batismo:
Não existe razão
para presumir que, porque as crianças não são capazes de expressar fé madura,
elas devam ser tratadas como descrentes. Não há hipocrisia em levá-las à
igreja, encorajá-las a expressar alegria por Cristo, amá-las, ou permitir que
orem antes de dormir, ou manifestem outras expressões de fé infantil. Pelo
contrário, seria antibíblico tratar nossos filhos como descendência de Satanás,
não amados por Deus, e inimigos da família da fé, até eles expressarem fé
salvadora.[8]
Por essas duas razões,
proponho uma breve resposta e uma terceira via, que na verdade já existe. Somente
pretendo trazer a lume que é a posição credobatista kalleyana:
1.
O credobatismo kalleyano se fundamenta na doutrina bíblica da aliança.
No questionário
doutrinário elaborado pelo Rev. Robert Reid Kalley com o propósito de receber
novos membros, ele pergunta: “10º) Quereis ser batizados, para significar que
concordais com a aliança, pela qual Deus assegura ao crente o pleno proveito do
sacrifício expiatório de Jesus, e que, portanto, decidis, com o auxílio divino,
serví-lo sempre durante o resto de vossa vida aqui na terra?”[9]
O Deus Triúno, conforme
revelado nas Escrituras é um Deus de aliança. Além de estabelecer uma aliança
com seu povo, Ele leva a aliança muitíssimo a sério e nunca a quebra ou desfaz:
“Eu disse: nunca invalidarei a minha aliança convosco” (Jz 2:1).
Como parte do eterno decreto, Deus
soberanamente estabeleceu duas alianças. A primeira aliança foi com Adão e a
criação. Há dois textos bíblicos que revelam uma aliança da criação: “Mas eles,
como Adão, transgrediram a aliança na terra que lhes concedi...” (Os 6:7 - BH)
e “Assim diz o Senhor: Se a minha aliança com o dia e com a noite não
permanecer, e eu não mantiver as leis fixas dos céus e da terra” (Jr 33:25).
No caso de Adão, mesmo o
texto bíblico sendo claro, alguns rejeitam a aliança porque não houve o uso da
palavra berith, porém podemos facilmente deduzir a aliança, pois o uso da
palavra berith em todos os outros casos na Bíblia se refere a um contrato/acordo,
contendo: afinidade, compromissos, leis, sentenças de cumprimento, promessas
condicionais e incondicionais e punições no caso de infidelidade. Assim sendo,
em Gênesis Deus está em aliança com a criação e Adão.
Essa primeira aliança foi
quebrada e o Senhor trouxe punição. A punição se espalhou através dos filhos de
Adão; ou seja, Deus imputou aos filhos o pecado. Por que? Os filhos estão
claramente envolvidos nessa aliança adâmica, fazem parte do mandato e por ele
seriam abençoados. Na história bíblica, os filhos serão abençoados pela
obediência dos pais ou amaldiçoados pela infidelidade dos pais. Na cultura
bíblica há um federalismo, corporativismo ou coletivismo e não individualismo
(Êx 20:5-6).
A infidelidade na aliança
trouxe consequências devastadoras e uma punição global. Mas, como Deus não
quebra a aliança da criação, Ele escolhe Noé, o único que obedece aos termos de
fidelidade e resolve renovar a aliança da criação. Após a ira de Deus ser
derramada, Ele renova a aliança em Noé, para preservar
sua criação e continuar com seu plano eterno de redimir sua criação. A Bíblia diz:
“contigo, porém, estabelecerei a minha aliança; entrarás na arca, tu e
teus filhos, e tua mulher, e as mulheres de teus filhos” (Gn 6:18).
Como visto, esse é o primeiro
versículo na Bíblia que aparece a palavra “aliança” (berith). Curiosamente ele
vem acompanhado do verbo traduzido como "estabelecerei", no hebraico קום
(qûm). O verbo é um Hiphil, introduzindo uma ideia causativa, assim seu
significado passa a ser “colocar de pé”, o que pode ser também “estabelecer”
(colocar algo de pé) e “ratificar”. Deus é o sujeito que está “mantendo de pé”,
“confirmando” a aliança com Noé, aliança essa que já havia sido feita com
Adão”.[10]Percebe-se
que em todos os textos bíblicos os filhos estão incluídos na aliança através da
fé dos pais.
A segunda aliança é a
aliança eterna (Hb 13:20), chamada também de aliança da graça. Essa aliança foi
estabelecida debaixo de uma promessa de redenção (Gn 3:15). Após a queda da
primeira aliança e a entrada do pecado no mundo, Deus revelou seu eterno
decreto da redenção. Na história bíblica podemos deduzir ou perceber a ordem
dos decretos de Deus: o decreto da criação, decreto da permissão da queda e o
decreto da redenção. A promessa foi feita – “Porei inimizade entre ti e a
mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça,
e tu lhe ferirá o calcanhar”. A promessa está feita e repousa sobre a graça. Já
é possível perceber traços da graça de Deus em Noé. Em Hebreus 11:7, o Novo Testamento
revela que “a graça de Deus opera a salvação de Noé e seus filhos por meio da
justiça que vem da fé”; esse é o conceito de salvação pela graça mediante a fé.
Por isso, podemos observar claramente aqui a aliança da graça, que sempre supera
nos eleitos a condenação de morte prescrita na aliança da criação.
Vê-se a continuidade da
aliança da criação e a manifestação da graça, pois Deus salva Noé e seus filhos
(Gn 6:8-22, 9-16). Agora, como parte da aliança da criação Deus promete não
destruir mais o planeta, porém ainda pune sua criação pela infidelidade, com
dores e adversidades (Rm 8:18-22). Isso também demonstra que a aliança da
criação permanece em vigor, aguardando a redenção e sofrendo. Outro texto bem
claro sobre a salvação pela graça em Noé está em 1Pedro 3: 18-22, onde o
Espírito revela que Jesus estava pregando e batizando através de Noé e isso com
o evangelho da redenção (v. 21).
Essa aliança da graça
continua, mas agora é mais claramente exposta em Abraão. Deus chamou Abraão para
uma aliança: “Naquele mesmo dia, fez o SENHOR aliança com Abrão, dizendo: À tua
descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio
Eufrates...”(Gn 15: 18). No capítulo 17 de Gênesis há o uso da palavra aliança
12 vezes. Essa aliança é estabelecida perpetuamente e inclui seus filhos: “No
mesmo capítulo Deus reafirma a promessa de um filho e diz: “...lhe chamarás
Isaque; estabelecerei (קום qûm) com ele a minha aliança” (Gn 17:19; ver v. 21).
Ora, Deus estava dizendo que estabeleceria uma aliança com Abraão (v. 7) e logo
em seguida ele diz que estabeleceria outra nova aliança com Isaque (v. 19)?
Não! É óbvio que ele está falando da mesma aliança! A ideia é que ele
ratificaria, confirmaria, manteria de pé a aliança com Abraão e continuaria a confirmá-la
com Isaque”.[11]
Como a aliança da graça
foi revelada em Abraão e perpetuamente, até o final da história Deus guarda,
preserva e governa essa aliança por meio de Testamentos. Há dois Testamentos na
aliança da graça. O Antigo Testamento “foi administrado por meio de promessas,
profecias, sacrifícios, circuncisão, cordeiro pascoal e de outros tipos e
sombras”[12]
que prefiguravam o Cristo que haveria de vir. O Novo Testamento é o mesmo em
substância e essência, mas administrado “pela pregação da Palavra, sacramentos
do batismo e ceia” e com uma abrangência maior; ou seja, a inclusão espiritual
dos gentios e a plenitude da lei em Cristo. A ideia dessa explicação está em
Hebreus 9:15-22.
O Apóstolo nos esclarece
em Gálatas, reafirmando a aliança da graça feita com Abraão e ratificada ou
cumprida em Cristo: “Sabei, pois, que os
da fé é que são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus
justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti, serão
abençoados todos os povos. De modo que os da fé são abençoados com o crente Abraão” (Gl 3:7-9). “Pois todos vós
sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes
batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu
nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois
um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também
sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (Gl 3: 26-29).
2.
Os Filhos da Aliança.
Já foi explicado a
inclusão dos filhos na aliança dos pais em Adão, Noé e Abraão. Agora veremos
mais claramente a inclusão na aliança da graça, sob a administração do Antigo e
Novo Testamentos.
a)
No Antigo Testamento
Vê-se que a promessa de
Deus sempre inclui os filhos menores. Depois de 430 anos de escravidão no
Egito, “Deus lembrou-se da sua aliança com Abraão, com Isaque e com Jacó” (Êx 2:
24). Na libertação, Faraó não queria deixar ir os filhos menores (Êx 10: 10),
então Moisés replicou: “Havemos de ir com os nossos jovens, e com os nossos
velhos, e com os filhos, e com as filhas, e com os nossos rebanhos, e com os
nossos gados; havemos de ir, porque temos de celebrar festa ao Senhor” (v.9).
Os filhos sempre estarão juntos dos pais.
Assim como aconteceu com
Noé, Deus estabelece o juízo sobre o Egito (Êx 12: 29-30). Pelo elemento
sacramental da páscoa (sangue), que simboliza a aliança os “primogênitos dos
israelitas” foram salvos (Hb 11: 28). Daí, a páscoa e a ceia passaram a ser os
sacramentos e as ordenanças da aliança e libertação de Deus, representados pelo
cordeiro pascal e seu sangue derramado (Êx 12: 26, 43; Mt 26: 18-30; 1Cor 5: 7,
11: 20-34). Destaco aqui o fato de que quando Deus se lembra da aliança e
resolve tirar os israelitas, na punição Ele salva os filhos da aliança e pune
somente os filhos dos incrédulos. A citação de Hebreus é proposital para
demonstrar que a fé alcança somente os filhos dos israelitas e não todas as
crianças.
Ainda nesse contexto da
antiga aliança, gostaria também de expor Êxodo 20 e Deuteronômio 5. Nesse texto
o povo da aliança recebe as tábuas do Testemunho (Êx 31: 18), tábuas que
regerão a aliança entre Deus e o povo (Êx 31:12-18) e que foi escrita “pelo
dedo de Deus” duas vezes. O texto expõe claramente que Deus pune com maldição
visitando “a iniquidade dos pais nos filhos” (Êx 20:5). “O segundo mandamento
prevê a visitação do juízo divino sobre os descendentes de pais ímpios,
descendentes estes que aborrecem a Deus com seus pais”.[13]
A Bíblia diz que no caso dos filhos dos crentes não há maldição, mas sim
misericórdia. “No hebraico, hesed é uma palavra característica da aliança”.[14]
A misericórdia (hesed) está somente sobre os filhos da aliança (Sl 103: 17-18;
115:14).
Em Ezequiel os filhos dos
crentes pertencem ao Senhor. Em Ezequiel 16:21, Deus censura o povo por dar as
suas crianças ao sacrifício pagão, fazendo-lhes passar pelo fogo, e Ele diz em
referência a estes pequeninos: "E mataste a meus filhos, e os entregaste a
elas para os fazerem passar pelo fogo." Então, esses filhos menores,
que morreram nos braços ardentes do fogo pagão como criancinhas, eram filhos de
Deus. Também é dito no capítulo 18: “Eis que todas as almas são minhas; como a
alma do pai, também a alma do filho é
minha...”.
Nessa questão concordo
com João Calvino quando diz: “Por isso, os filhos dos judeus, sendo também
feitos herdeiros desse pacto, uma vez que se distinguiam dos filhos dos ímpios,
eram chamados semente santa (Es 9: 2; Is 6: 13); pela mesma razão, ainda agora,
os filhos dos cristãos são considerados santos, ainda que nascidos só de um
genitor fiel; e, segundo o testemunho do Apóstolo (1Co 1: 14), eles diferem da
semente imunda dos idólatras” (Institutas, IV, 16, 6).
b)
No Novo Testamento
O Novo Testamento é a
continuidade do plano eterno de Deus, tanto na redenção mediada por Cristo, bem
como na aliança e promessa com Abraão. Essa aliança claramente definida em
Abraão é executada de forma progressiva até sua revelação plena e conclusiva na
nova aliança. A nova aliança é uma renovação da antiga e está dentro dela (Jr
31), porém há mudanças em sua natureza e também certa descontinuidade,
principalmente naquilo que se referi aos sinais e sua administração. Porém,
como não há mudança na substância, conclui-se a permanência dos filhos como
receptores das promessas e punições aos pais.
Mateus
19: 14-15. “Trouxeram-lhe, então, algumas crianças, para que
lhes impusesse as mãos e orasse; mas os discípulos os repreendiam. Jesus,
porém, disse: Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus. E,
tendo-lhes imposto as mãos, retirou-se dali”.
Os fariseus estão
experimentando Jesus em relação ao divórcio. Após Jesus reinterpretar Deuteronômio
24:1 e estabelecer a correta interpretação do casamento e divórcio, lhe
trouxeram suas crianças. A postura de Jesus é receptiva e inclusiva, dizendo:
“...porque dos tais é o reino dos céus”. Jesus está tratando da lei do
casamento e ele não poderia descartar a lei logo em seguida, então é sabido que
pela prescrição Deus “visita a iniquidade dos pais nos filhos” (Êx 20), sendo
assim nesse texto Jesus está falando sobre os filhos dos crentes (fariseus) e a
eles a benção do Reino é destinada e não a todas as crianças.
Outro detalhe importante
é que a expressão grega é: Ἄφετε τὰ
παιδία (deixai
vir a mim os pequeninos) – essa expressão no grego significa: “criancinhas de
peito”, ou seja, uma referência direta que o Reino e a benção de Jesus se
destina aos filhos “menores” dos crentes. Esse texto corrobora com a ideia que vem
a seguir, a idade de discernimento no item 3.
Atos
2:39. “Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos
e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso
Deus, chamar”. Essa promessa do dom do Espírito é aplicada aos crentes, aos
seus filhos e àqueles que pela eleição serão incluídos na aliança. A construção
do grego nos auxilia aqui: ὑμῖν γάρ ἐστιν ἡ ἐπαγγελία καὶ τοῖς
τέκνοις ὑμῶν καὶ πᾶσιν τοῖς εἰς μακρὰν, ὅσους ἂν προσκαλέσηται Κύριος ὁ Θεὸς
ἡμῶν. Em negrito temos literalmente – “e para os filhos vossos”. A Bíblia
inclui os filhos na promessa dos pais e também abre uma terceira opção, ou
seja, τοῖς εἰς μακρὰν (os de longe), àqueles que não são filhos da aliança
(naturalmente), mas Deus chama pela eleição soberana. Deus tem salvado crianças
em nossas igrejas, filhos de não crentes. Bendito seja seu Nome!
O mesmo apóstolo Pedro
faz um segundo discurso, demonstrando que essa promessa se cumpriu porque eles
são filhos da aliança. Atos 3:25. “Vós
sois os filhos dos profetas e da aliança
que Deus estabeleceu com vossos pais, dizendo a Abraão: Na tua descendência,
serão abençoadas todas as nações da terra”. É óbvio que a promessa é aplicada e
sustentada desde o pequeno Isaque até sobre os filhos da aliança no futuro. Os
não reformados tentam desassociar nossa relação com Abraão para excluir os
filhos da aliança, porém a Bíblia é muito clara e ainda diz: “vocês são filhos
da promessa, como Isaque” (Gl 4:28). Segundo a Bíblia assim como Isaque era
filho da aliança naturalmente, em sangue; nós pela fé em Cristo Jesus também
fomos incluídos nessa herança e não há nenhuma razão bíblica para excluir
nossos filhos menores.
Todas as crianças estão
em Adão e a última instância é a eleição. Por isso, concluo que os filhos da
aliança de alguma maneira se morrerem antes da idade de discernimento serão
regenerados pelo Espírito à semelhança de João Batista. A Bíblia ensina que é
preciso ser regenerado para entrar no reino dos céus (Jo 3) e Jesus entrega o
Reino às crianças (Mt 19:14). Porém, todos os outros permanecerão filhos de
Adão e receberão a paga pelos seus próprios pecados, exceto se foram eleitos pela
soberana graça.
É oportuna a
resposta que Calvino oferece àqueles que excluem os filhos, difiro somente na
aplicação do batismo, porém endosso na inclusão e salvação dos filhos menores:
E assim concluem
que elas não devem ser tidas em outra posição senão a de filhos de Adão, até
que hajam amadurecido a uma idade congruente com o segundo nascimento. Mas tudo
isso se opõe frontalmente à verdade de Deus. Pois se devem ser considerados
filhos de Adão, então são abandonados à morte, em Adão, e por isso nada podemos
fazer senão morrer (Rm 5:12-21). Cristo, porém, em contrário, manda que elas
sejam trazidas a si (Mt 19:14; Mc 10:14; Lc 18:16). Por quê? Porque ele é a vida.
Portanto, para que lhes dê vida, ele as faz participantes de sua pessoa;
enquanto, entrementes, esses tais as condenam a que sejam afastadas para longe,
trementes, permaneçam na morte. Porque, se tergiversam que as crianças não
perecem por serem reputadas filhas de Adão, seu erro é mais do que
suficientemente refutado pelo testemunho da Escritura. Ora, uma vez que a
Escritura sentencia que em Adão todos morreram, segue-se não restar nenhuma
esperança de vida, a não ser em Cristo (1Co 15:22). Portanto, para que nos
tornemos herdeiros da vida, é imprescindível que tenhamos participação nele (Institutas,
IV, cap. 16, 17).
Outro texto importante no
Novo Testamento está em 1Coríntios 7:14: “Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a
esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente. Doutra sorte, os
vossos filhos seriam impuros; porém,
agora, são santos”.
A palavra
para impuro aqui é ἀκάθαρτά
(akatharta), uma palavra normalmente usada para os “espíritos imundos” (Mc 3:11,5:13;
At 8:7; Ap 16:13) ou no sentido sexual, de prostituição/imoralidade. É uma
palavra aplicada aos não cristãos. Por isso, o Apóstolo afasta o filho do
crente dessa condição, não associando a criança com os incrédulos ou demônios.
A palavra corretamente atribuída ao filho do crente é ἁγία (hagia), uma palavra
com 14 ocorrências no Novo Testamento e todas atribuídas aos crentes ou algo
consagrado a Deus, como em Rm 7:12: “...a lei é santa” e em 1Cor 7:34, no mesmo
capítulo onde o Apóstolo chama a viúva e a virgem que servem ao Senhor de
“santa”.
Daí concluo
com alguns excelentes comentários sobre esse texto: “Quanto ao fato do Apóstolo
aqui atribuir privilégio especial aos filhos dos crentes, isso emana da benção
do concerto, por cuja intervenção a maldição da natureza é destruída e, por
isso os que por natureza eram impuros, agora são consagrados a Deus em
decorrência de sua graça”.[15]“Paulo
parece se ater às convicções e ao costume dos judeus, os quais consideram que
os filhos participam da aliança. Enquanto não tiver idade bastante para tomar
sobre si a responsabilidade, o filho de um pai crente deve ser considerado
cristão. A santidade do pai ou da mãe abrange a criança”.[16]O
interessante segundo Leon Morris é que a palavra santo ou puro usada aqui
remete ao início da carta onde o Apóstolo chama a ekklesia de “santificados em
Cristo” e “chamados para ser santos”. Aqui em 7:14, ele inclui a criança na
ekklesia como um dos santos.[17]
Por essa razão, na tradição da Igreja Cristã Evangélica se inclui
os filhos menores na comunhão da igreja local. “Todas as pessoas
professas e batizadas e os menores consagrados constituem a Igreja de Deus e a
ela pertencem”.[18]
3. A idade de discernimento
“... Estou bastante
satisfeito que crianças sejam batizadas, mas apenas as crianças que professam
solenemente a Cristo e vivem vidas de acordo com o evangelho” (Rev. Robert
Kalley).[19]
Gostaria de explicar que
a Bíblia revela que sobre esses filhos pesa a “idade de discernimento”. Em Deuteronômio
21:18-21, nós temos uma clara descrição de que Deus atua no filho menor
considerando a idade de discernimento. O filho “contumaz e rebelde” não ouve a
voz de seus pais; a ideia é de “não lhes dá ouvidos”, ou seja, após várias
repreensões e castigos ele continua impenitente. Por essa causa, os pais
deveriam levá-lo para um julgamento público. Percebe-se aqui que esse filho
está em idade apropriada para esse processo. Antes desse momento cabia aos pais
à disciplina e correção, mas em determinado momento essa responsabilidade passa
às autoridades constituídas.
Em Efésios 6: 1-4,
percebe-se que os filhos menores deveriam ser criados na “disciplina e
admoestação do Senhor”. Os filhos devem “obedecer aos pais no Senhor”. A Bíblia
traz à tona o quinto mandamento, sob o qual os filhos dos crentes estão
jurisdicionados. Toda a responsabilidade sobre o filho é colocada nos pais e
não há como negar que a expressão “no Senhor” se remete à vida cristã. O
mandamento não é dado aos não crentes como obrigação e eles não andam “no
Senhor”, são incrédulos. Assim podemos afirmar que no processo de criação
(filhos menores) Deus cobra toda a responsabilidade da vida espiritual dos
filhos pequenos dos seus pais; a jurisdição da lei está sobre os pais (Dt 6:
6-7; Pv 22: 6).
Em Ezequiel 18, Deus diz:
“Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que
pecar essa morrerá”. No contexto do capítulo 18 veremos que os filhos da
aliança quando cresciam deveriam permanecer na aliança (alguns não guardaram)
ou se fosse filho de um pecador impenitente se converter para não receber a
maldição hereditária (Ez 18:4-20; 2Cor 5:17). Aliás, a Bíblia ensina que a
própria eleição para a salvação precisa ser confirmada após a vida adulta (2Cor
13:5; 2Pe 1:10). O filho da aliança quando alcança determinada idade está
qualificado para um auto-exame espiritual e assim possui condições intelectivas
e emocionais de discernir sua eleição em Cristo. Por essa razão, Deus em sua
misericórdia alcança o filho menor pela fé dos pais e pune os maiores por meio
de sua própria condição espiritual.
Se é necessário que a
eleição seja confirmada e na idade de discernimento e a criança precisa
expressar fé, se torna necessário que o filho da aliança seja evangelizado e
levado a Cristo e ainda, a impossibilidade em reconhecer a idade de
discernimento exige que os pais levem a sério sua obrigação de inculcar o
evangelho na cabeça do filho menor. “Quereis ser batizados, para significar que
concordais com a Aliança, pela qual Deus assegura o crente o pleno proveito do
sacrifício expiatório de Jesus, e que, portanto, decidis, com o auxílio divino,
serví-lo sempre durante o resto de vossa vida aqui na terra?”[20]Se
o batismo é concordância com a aliança, pode-se afirmar que em algum momento
essa criança menor passa a compreender e concordar ou discordar.
4.
O batismo como um sinal sacramental
a)
A importância de um sinal externo. Eu concordo plenamente
com meus irmãos pedobatistas no sentido espiritual do batismo. Há uma
necessidade bem exposta na Bíblia de um sinal externo; toda vez que Deus faz
uma aliança é exigido um sinal externo e esse sinal sacramental e de ordenança
revela publicamente o relacionamento entre Deus e seu povo. A diferença no
credobatismo kalleyano é que o emblema externo da nova aliança exige a
profissão de fé e o discernimento para uma boa consciência:
O batismo com água
não é essencial para a salvação; sua
aplicação externa é um mero testemunho público, diante de testemunhas, de
que se aprova uma aliança
(ordenança) que tipifica a purificação, o refrigério, o conforto e o poder do
Espírito Santo.[21]
Desde os dias da criação
que Deus administra seu relacionamento de aliança por meio de sinais externos.
Deus plantou um jardim no Éden e levou o homem até lá, daí fez brotar o
necessário para o alimento. Porém, “nem só de pão viverá o homem”, por isso
também fez brotar a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal”.
Essas duas árvores são sinais externos da vida eterna e da obediência que Deus
requereu do homem (Gn 2: 7-9).
Depois em Noé, Deus
deixou outro sinal da aliança, dizendo: “será por sinal da aliança entre mim e
a terra” (Gn 9: 13). Além dos sinais da aliança da criação, Deus formou um povo
e fez uma aliança contendo sinais externos: “Esta é a minha aliança, que
guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será circuncidado”(Gn
17: 10) e acrescentou posteriormente por ocasião da libertação a páscoa,
dizendo: “o sangue vos será por sinal nas casas...”. Deus os libertou por causa
da aliança (Êx 2: 24) e por estatuto perpétuo incluiu como um segundo sinal em
seu relacionamento com seu povo (Êx 12: 14).
Na nova aliança esses
sinais são mantidos em significados e mudados e aperfeiçoados em Cristo. Aquilo
que era tido como sombra se tornou realidade em Cristo (Cl 2: 17; Hb 8). A
páscoa passa a ser a ceia do Senhor (Mt 26: 17-30)
e a circuncisão passa a ser o batismo (Cl 2:11-12), para nossos propósitos
focaremos no batismo apenas e esse como um sinal externo da aliança iniciada em
Abraão e concluída em Cristo. Kalley afirma: “...assim o batismo dos crentes é
um selo do contrato em que Deus lhe assegura, de graça, perdão e vida
eterna...”.[22]O
selo é um sinal externo que revela uma obra no coração. Como dizia o Rev. Eliel
de Almeida Martins: “Batismo é o selo da fé”.[23]
Kalley não aceitava o
batismo infantil. Quando enviou um missionário batista ao Brasil, chamado
William Bowers; justificando a sua aceitação já que Kalley não era batista e
não tinha vínculo denominacional deu ênfase a duas questões: primeiro o fato de
que Bowers não considerava essencial o batismo por imersão e segundo “que ele
se opõe ao batismo de crianças”.[24]
b)
O sinal externo é substituído. Na aplicação desse sinal
os credobatistas kalleyanos diferem dos seus irmãos pedobatistas. Para o
pedobatismo o sinal externo é recebido por hereditariedade: “O batismo infantil
fala de um relacionamento hereditário com Deus, que nos vem por descendência”.[25]O
Novo Testamento revela uma clara mudança na aplicação e administração desse
sacramento, excluindo a hereditariedade desse sinal externo. O comentário do
Watson é muito apropriado nessa questão:
Entre as multidões
que vinham ao batismo de João, havia muitos dos fariseus e saduceus aos quais
João advertia: “Não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão”
(Mt 3: 9). Era como se ele estivesse anunciando: Vocês podem ser filhos da
aliança feita com Abraão e, portanto, têm direito de celebrar a páscoa e
receber a circuncisão, independente do caráter moral de vocês, mas não pensem
que a hereditariedade os qualifica para o meu batismo. Meu batismo é de
arrependimento. Por isso, produzi frutos dignos de arrependimento.[26]
Percebe-se claramente que
o sinal externo é mudado, mas o significado de inclusão permanece e há de fato
a necessidade de considerar a fé daquele que recebe esse sinal, diferentemente
da aplicação do sinal na antiga aliança. Citei o T.E Watson aqui porque nessa
questão ambas as igrejas, Congregacional e Cristã Evangélica, podem se
identificar com as Igrejas Batistas, como percebe-se no movimento kalleyano:
A Igreja Evangélica Pernambucana não pertence a nenhuma
denominação estrangeira; não é presbiteriana, porque esta considera válido batismo romano e
pratica o batismo de crianças; aproxima-se
mais da denominação batista, mas prefere ter a liberdade de admitir à
comunhão a qualquer crente fiel e
obediente ao Senhor… É, pois, uma igreja evangélica brasileira".[27]
Outro texto importante
para ser analisado é Colossenses 2:11-12 – Nesse texto vê-se que há uma mudança
progressiva na administração do sinal externo. A Bíblia substitui a circuncisão
da carne pela circuncisão do coração apenas. O Apóstolo afirma que Nele fomos
circuncidados, daí é aplicada essa circuncisão ao batismo, ou seja, nosso
batismo cristão é uma circuncisão espiritual, representando nossa união com
Cristo, o mediador da nova aliança. Outro detalhe aqui é que essa circuncisão
espiritual é ativa, pois estamos Nele “mediante a fé no poder de Deus”. Na
antiga circuncisão o receptor era passivo, na nova circuncisão o receptor é
ativo e precisa ter fé.
c) Elementos contínuos e descontínuos. O sinal externo da aliança com Abraão é continuado, pois o
batismo pela fé na ressurreição é chamado de circuncisão do coração. A aliança
é a mesma, porém agora eterna e definitiva em Cristo (Hb 13:20). Mas, a
aplicação da carne e somente no macho é descontínua e agora “todos”, homem e
mulher entre todas as nações podem ser circuncidados pela fé, recebendo como
sinal externo a água do batismo e não mais o corte do prepúcio. A criança era
trazida e recebia passivamente. A descontinuidade está no fato de que agora é
necessária a própria pessoa buscar o batismo, após se arrepender e também foi
acrescentado a necessidade do receptor estar consciente do ato sagrado (1Pe 3:21).
O Rev. Robert
Kalley explica muito bem essa certa descontinuidade para o batismo:
Quanto
ao batismo de crianças, a Bíblia guarda silêncio e respeito. A circuncisão era
um rito, limitado aos machos, no oitavo dia do nascimento, e era aplicado pelo
pai, pela parteira, ou por qualquer outra pessoa habilitada. Assim Abraão
aplicou-a em Isaque (Gênesis 21:3-4); a mulher de Moisés, Séfora, em seu filho
(Êxodo 4:25); Paulo, em Timóteo (Atos 16:1-3). Por outro lado o batismo cristão
era aplicado em ambos os sexos: a Lidia (Atos 16:15) ao varão da Etiópia (Atos
8:38). As condições para o batismo eram duas: a) entender claramente a
mensagem; b) de coração aberto, aceitá-la. Fé em exercício e alegria
inteligente eram os pré-requisitos deste rito cristão – totalmente nulos nos
recém-nascidos.[28]
Talvez essas
evidências justificam o silêncio do Novo Testamento em relação ao batismo
infantil, porque para o batismo é necessário fé e não é possível no
recém-nascido a fides infantilis. Dessa questão vem o próximo ponto, na letra d.
Prefiro chamar os sinais externos de sacramentos, isso devido ao fato de que a
ordenança não é apenas uma norma rígida e fria ou como já ouvi: “apenas uma
ordenança”, mas há um símbolo verdadeiro de nossa união com Cristo vivenciada
pela fé, um relacionamento espiritual, ou seja, um sacramentum (mistério) de
nossa comunhão com o Cristo vivo e verdadeiro. Há bênçãos dispensadas no
batismo e na ceia.
d)
Bíblia e Tradição. O pedobatismo descansa sobre a premissa de uma regeneração futura da
criança, oferecendo o batismo como esperança futura (Calvino, Institutas, IV,
Cap. XVI). Sendo assim, o pedobatismo é um batismo incompleto. O batismo do
recém-nascido é aplicado em dois atos – batismo e pública profissão de fé. O
Schleiermacher diz bem: “Batismo infantil só é batismo verdadeiro quando a
profissão de fé que vem depois de subsequente instrução é considerada como
sendo o ato que o consuma”.[29]Em
praticamente todas as Igrejas Reformadas os dois atos (batismo e profissão de
fé) são praticados. Vê-se que o candidato batizado na infância, quando alcança a
idade de discernimento faz apenas a profissão de fé e assim é incluído na
membresia da igreja local.[30]Essa
pública profissão de fé confirma “que ele tem uma fé viva em Cristo” e “pode
assumir seus deveres como membro da igreja”.[31]
Na Bíblia não há essa separação entre dois
atos. É notório que os teólogos pedobatistas reconhecem a necessidade da fé
para que o batismo seja legitimado, então criou-se uma tradição da pública
profissão de fé diante de toda a congregação. Aqui há um elemento bíblico
(batismo) e uma tradição (profissão de fé), assim com esses dois atos o crente
é completamente batizado e comungado em Cristo.
Por outro lado, o credobatista precisa incluir
através de um sinal externo, seus filhos. Segundo o Novo Testamento o batizando
precisa ter fé e segundo o texto de 1Coríntios 7: 14 o recém-nascido já é
considerado santo sem o batismo, mas repousando na fé dos pais crentes ou pelo
menos de um pai crente. O credobatista precisa batizar e ao mesmo tempo
apresentar com um sinal externo. Daí se convencionou também uma tradição. Essa
tradição se chama apresentação e consagração dos recém-nascidos, onde os pais
crentes levam seus filhos para que o Ministro os abençoe diante de toda a
congregação. Os credobatistas apresentam e consagram seus filhos recém-nascidos
e somente na idade de discernimento aplicam o batismo, que em si, pela natureza
e significado é uma pública profissão de fé. Nessa posição também há elemento
bíblico (batismo) e tradição (apresentação e consagração).
Diante do exposto, vê-se que há forte
fundamento bíblico para as duas posições, mas há também a necessidade de criar
uma tradição para reger na prática o sacramento e fazer com que as duas
posições permaneçam de pé e coerente diante da teologia bíblica da aliança. As
duas posições, sendo reformadas se mantém dentro dos limites da Escritura e
saudavelmente honram a Deus incluindo seus filhos completamente por meio da
Bíblia e da tradição, sustentando o batismo e a fé.
Conclusão:
Diante da
polarização e das divisões causadas pelos extremos, a posição kalleyana é muito
saudável e pertinente. Aprendemos a respeitar as práticas das outras
denominações e estender a destra da comunhão tanto para batistas, como para
presbiterianos e ao mesmo tempo manter nossa identidade e perfil denominacional
sendo fiel à Palavra e à ordenança do Nosso Senhor Jesus Cristo.
Eu
particularmente tomo emprestado e repito as palavras do Rev. Kalley e com muito
respeito e admiração digo: “não sou presbiteriano e nem batista”. Com esse
artigo busco honrar e trazer à tona as influências recebidas pela Igreja Cristã
Evangélica sobre o batismo e reafirmar aquilo que com esmero e muita dignidade
foi construído pelos irmãos cristãos evangélicos do passado e revelar uma
argumentação bíblica e sólida para o assunto, tendo consciência das diferenças
não essenciais dentro da própria denominação, o qual sempre tratarei com amor e
respeito.
A Igreja
Cristã Evangélica crê conforme sua Confissão de Fé, que é um resumo dos 28
artigos do Kalley, elaborado pelo Rev. Esli Pereira Faustino, em 1978 e
ratificado no Concílio Constituinte de 1979, dizendo que “o batismo é realizado
após a profissão de fé” e “em testemunho público de fé e como símbolo externo
da obra regeneradora do Espírito Santo” (Art. 12º Da doutrina do batismo).
Sendo assim e como exposto em todo o artigo, a ICEB defende o credobatismo e ao
mesmo tempo ao longo de sua tradição recebe seus filhos na comunhão e alegria
da igreja local e ainda investe recursos e esforços para que nossas crianças,
através da Editora Cristã Evangélica, tenham pleno conhecimento do Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Ao Deus
Triúno, que com graça e poder, guia e preserva Sua Igreja até o final, seja a
honra e glória para todo o sempre, amém!
[1] UESA – União Evangélica Sul Americana, uma Missão com
sede em Londres e progenitora da Igreja Cristã Evangélica do Brasil. Hoje a
UESA traz o nome de Latin Link.
[2] Martins,
Eliel de Almeida. Catecúmenos. São Paulo: Junta do Sul da Igreja Cristã
Evangélica do Brasil, 1968, p. 49.
[3] Cardoso, Douglas
Nassif. Praticas pastorais do pioneiro na evangelização do Brasil. São Bernardo
do Campo, SP: Do autor, 2002, p. 46.
[4] Cavalcante,
João. Uma nuvem pequena como a palma da mão. Anápolis, Go: Do autor, 2014, p.
78.
[5] https://www.youtube.com/watch?v=WyAxEZJBxbw
- Acesso em 03 de outubro, 2018.
[6] Os batistas particulares eram os batistas reformados
do século XVII, que passaram a batizar somente os crentes e que acreditavam na
expiação limitada ou particular. Cristo morreu
“particularmente” pelos eleitos, daí o termo Batista Particular.
[7] Hulse, Errol. Batismo e o que significa ser membro de
uma igreja. Igreja Batista Bereana, 1978, p. 5.
[8] Apud, Anglada, Paulo. Para vós e para vossos filhos –
O batismo cristão. Ananindeua, PA: Knox Publicações, 2014, p. 37.
[9] Cardoso,
Douglas Nassif. Práticas pastorais do pioneiro da evangelização do Brasil. São
Bernanrdo, SP: Edição do autor, 2002, p. 53.
[10] Explicação extraída da apostila de teologia bíblica.
Elaborada pelo Rev. Guilherme Paim.
[11] Ibidem.
[12] Confissão de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã,
2005. p. 69,70.
[13] Lopes, Augustus Nicodemus. O que você precisa saber
sobre batalha espiritual. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p. 61.
[14] Cole, R. Alan. Comentário de Êxodo. São Paulo: Vida
Nova, 1980, p. 150.
[15] Calvino, João. 1 Coríntios. São Bernardo do Campo, SP:
Edições Parakletos, 2003, p. 218,219.
[16] Prior,
David. A mensagem de 1 Coríntios a vida na igreja local. São Paulo: ABU, 2001,
p. 133.
[17] Morris,
Leon. I Coríntios – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 27,
88.
[18] Martins,
Eliel de Almeida. Catecúmenos. São Paulo: Junta do Sul da Igreja Cristã
Evangélica do Brasil, 1968, p. 17.
[19] Forsyth, William B. Jornada no império. São José dos
Campos, SP: Fiel, 2006, p. 225.
[20] Cardoso, Douglas Nassif. Práticas pastorais do
pioneiro da evangelização do Brasil. São Bernanrdo, SP: Edição do autor, 2002,
p. 53.
[21] Cardoso,
Douglas Nassif. Praticas pastorais do pioneiro na evangelização do Brasil. São
Bernardo do Campo, SP: Do autor, 2002, p. 50.
[22] Ibidem, p. 55.
[23] Martins, Eliel de Almeida. Catecúmenos. São Paulo:
Junta do Sul da Igreja Cristã Evangélica do Brasil, 1968, p. 49.
[24] Clayton,
Joyce E. Winifred Every. Um grão de mostarda. Recife, PE: Igreja Evangélica
Pernambucana, 1998, p. 88.
[25] Watson apud
Matthew Henry, in: Watson, T.E. Bebês devem ser batizados? São José dos Campos,
SP: Editora Fiel, 1999, p. 98.
[26] Ibidem.
[27] Clayton, Joyce E. Winifred Every. Um grão de
mostarda. Recife,
PE: Igreja Evangélica Pernambucana, 1998, p. 69.
[28] Cardoso,
Douglas Nassif. Praticas pastorais do pioneiro na evangelização do Brasil. São
Bernardo do Campo, SP: Do autor, 2002, p. 51.
[29] Barth apud Schleiermacher,
in: Barth, Karl & Cullmann, Oscar. Batismo em diferentes visões. São Paulo:
Fonte Editorial, 2004, p. 45.
[30] Manual Presbiteriano, capítulos V e VI, p. 126,127.
[31] Ross, Ivan
G. Graham. Pública profissão de fé. São Paulo: CEP, 1989, p. 83-85.